top of page

A era em que é politicamente correto fazer trabalho voluntário debate o altruísmo versus egoísmo. Afinal, doar-se ao outro é consciência social ou satisfação do ego? 

 

                Diante das dores e dificuldades que rondam a população neste momento atual de crise, aliadas ao desejo de muitos em tentar ajudar o seu próximo, muitas questões podem ser levantadas e refletidas acerca do tema: altruísmo versus egoísmo.

Até que ponto abrir mão de si para cuidar do bem-estar do outro pode ser considerado altruísmo? Até que ponto colocar uma vontade ou necessidade sua em primeiro lugar pode ser considerado egoísmo? É evidente que cada caso deve ser analisado a parte, mas o fato é que qualquer situação que envolva este tipo de questão exige uma reflexão acerca de ambos os lados envolvidos. Pois senão, caímos num problema de outra ordem como falta de amor próprio, abnegação, julgamento equivocado, críticas e condenações injustas e etc.

 

                O Limite tênue e muitas vezes confuso entre o Altruísmo e o Egoísmo:

                Vamos começar a pensar nesta questão que atormenta e é motivo de culpa e críticas em todas as esferas de relações interpessoais.

                Pegando a definição dos termos, temos o seguinte:

Altruísmo é um tipo de comportamento encontrado em seres humanos e outros seres vivos, em que as ações voluntárias de um indivíduo beneficiam outros. É sinônimo de filantropia. No sentido comum do termo, é, muitas vezes, percebida como sinônimo de solidariedade. A palavra "altruísmo" foi criada em 1831 pelo filósofo francês Augusto Comte para caracterizar o conjunto das disposições humanas (individuais e coletivas) que inclinam os seres humanos a dedicarem-se aos outros. Esse conceito opõe-se, portanto, ao egoísmo, que são as inclinações específica e exclusivamente individuais (pessoais ou coletivas)

Egoísmo (ego + ismo) é o hábito ou a atitude de uma pessoa colocar seus interesses, opiniões, desejos, necessidades em primeiro lugar, em detrimento (ou não) do ambiente e das demais pessoas com que se relaciona. Neste sentido, é o antônimo de altruísmo.

Olhando de longe, e a grosso modo, notamos que ambos são tidos como antônimos. Mas há que se tomar cuidado com esse tipo de conceito na prática diária. Muito cuidado deve se ter ao buscar o limite saudável ou equilibrado entre um e outro. Deve-se estar atento no sentido de não prejudicar nenhum dos lados para beneficiar o outro. Se a ajuda ao próximo, implica em prejuízo ao ajudador, deve ser avaliada a extensão e a profundidade deste prejuízo. Dependendo do prejuízo, não se justifica efetivar este tipo de “ajuda” que beneficia o necessitado mas lesa ao ajudador e/ou os que dele dependam de alguma forma. E sendo desta forma, não se pode apontar esta decisão como egoísta.

Tomando este tipo de cuidado, o cuidado de não prejudicar nenhum dos lados – o ajudador-ajudado ou eu-outro - nada há de errado em colocar seus cuidados e necessidades pessoais em primeiro lugar. Há quem afirme inclusive, que o ideal é procurar cuidar de si primeiro e estar pleno para então cuidar do outro. Atribui-se o nome de amor próprio para este tipo de conduta.

 A generosidade consiste em dar ao outro o que excede em você. Como dar ao outro o que nos falta? Se não me cuido, como posso estar apto e pronto a cuidar do próximo? Desta forma, pressupõe-se que você deveria estar minimamente abastecido de algo para então poder compartilhar com os demais o que lhe abunda e falta ao outro.

Lembremos da instrução dada pelas aeromoças nos procedimentos para decolagem: em caso de despressurização das cabines, os pais devem colocar primeiramente as máscaras de oxigênio em si para então colocar em seus filhos.  Um conceito um tanto controverso em uma sociedade onde aprendemos que crianças e idosos devem ter a prioridade e que é errado pensar primeiro em si . Mas dependendo do caso, como num caso de ajuda como estes, se você não se cuida e salva como poderá cuidar e salvar a vida do outro?

Seria altruísta tirar sua roupa do corpo para aplacar o frio do outro e passar a sentir e sofrer com o frio? Quantos adultos vemos hoje tentando ensinar o altruísmo às suas crianças, tentando fazer com que elas abram mão do que estão brincando e emprestem ao amiguinho afim de não serem egoístas? Seria correto ensinar uma criança pequena a abrir mão de suas vontades, gostos e desejos em detrimento da vontade alheia? Qual o limite entre altruísmo e egoísmo?

Precisamos sim ensinar as crianças a pensar no próximo, ensiná-las a dividir coisas e lidar com a espera e a frustração. Mas há que se estar atento ao momento certo e a forma de ensinar este tipo de valor tão complexo de ser compreendido em sua essência real. Não estamos defendendo, por exemplo, o caso da criança que possui um saco cheio de biscoitos e se nega a dar alguns aos coleguinhas. Mas devemos estar atentos para não ensiná-las, mesmo sem notar, que seus desejos ou necessidades não devem importar diante do desejo ou necessidade do outro.

Precisa-se tomar cuidado com a maneira que ensinamos para que realmente se aprenda sobre altruísmo e egoísmo e na vida adulta não padeça com relações onde ela se anula e prejudica em benefício do seu próximo para ser querida, valorizada ou reconhecida pelos demais como uma boa pessoa.

As crianças menores, por estarem ainda formando sua personalidade, necessitam se abastecer e nutrir para formarem o seu mundo interno e sua personalidade primeiramente. Mais tarde, a partir disso, podem e devem aprender a reconhecer e a lidar melhor com o mundo e as necessidades do outro. E precisarão aprender a avaliar e decidir o que fazer quando seus desejos e necessidades vão contra os desejos e as necessidades do outro de forma a poder compor uma solução o mais equilibrada possível. Uma solução que prejudique o menos possível ambas as partes, sem desconsiderar nenhuma destas partes, porque mesmo que a outra parte seja a aparentemente prejudicada pela decisão escolhida, sabemos já que o prejuízo real recai sobre todos os envolvidos em alguma proporção.

 O mais efetivo no sentido da transferência de valores como estes para as crianças, está no exemplo dado pelos pais. As crianças aprenderão sobre altruísmo ou egoísmo vendo como os adultos mais próximos agem neste sentido. E o processo de aprendizagem se dará de uma forma mais natural, numa espécie de imitação. Se aliamos isso a muita conversa e orientação, conseguimos ajudar que eles compreendam estes conceitos e apliquem em suas vidas.

 

 

A prática do trabalho voluntário como forma de auxílio ao outro:

Muitas instituições e pessoas encontram-se hoje dedicando seu tempo, suor e/ou dinheiro afim de ajudar pessoas carentes. Podemos ver movimentos significativos em instituições ou através de mídias sociais com esta finalidade; de prover o que alguns necessitam para sobreviver ou ajudar a viver de forma mais digna e saudável.

Acerca disso, há muito o que se discutir. Há quem diga que a facilidade de receber doações e ajuda faz com que pessoas se acomodem e permaneçam nesta condição de pedinte ao invés de procurar algum tipo de trabalho remunerado para o auto sustento ou sustento da família.

Ouvimos muitos casos onde pessoas simulam uma doença ou situação caótica para angariar fundos de pessoas bondosas e utilizar esta verba para fins não explicitados e não tão nobres. E isso vai tirando a capacidade do ser humano de acreditar no seu próximo, vai nos tornando desconfiados e arredios quando abordados por algum necessitado. E, infelizmente, alguns pagam pela má fé de tantos outros.

Mas o fato que não podemos esquecer é do benefício que o trabalho voluntário, feito com amor e com disposição para servir, traz para quem o recebe e lógico que para os que o praticam também. Muitas crianças e idosos abandonados, doentes esquecidos em leitos de hospitais, portadores de necessidades especiais, moradores de rua, pessoas sem recurso financeiro suficiente para sustentarem suas famílias e tantos outros grupos com alguma demanda, são hoje beneficiados por diversas instituições de caridade espalhadas por aí.

 Com ou sem um vínculo religioso, estas instituições se propõem a aliviar a dor e o sofrimento de algum grupo específico de pessoas e quem participa de um programa destes pode se sentir útil e satisfeito consigo por poder dedicar parte de seu tempo ao cuidado de quem precisa.

Com afeto, respeito, atenção, música, brincadeiras, alimentos, serviços profissionais dos mais variados tipos ou conversas, estes voluntários passam a fazer a diferença no dia a dia destas pessoas carentes. E não se pode negar seu precioso valor.

Outra coisa que não se pode negar, é o bem-estar e a satisfação pessoal que este tipo de prática traz ao ajudador. Há pessoas que encontram o sentido de vida ou o alento para suas almas neste tipo de tarefa no bem. E os ganhos, nestes casos, são infinitamente maiores do que o que é ofertado aos necessitados.

 

 A prática do trabalho voluntário como distração ou fuga de problemas pessoais e familiares.

 O trabalho de assistência e caridade deveria começar em casa, com o cuidado de sua família e manutenção de um ambiente familiar saudável. Parece paradoxo ver um voluntário saindo para realizar um bonito trabalho de assistência a pessoas carentes, deixando em casa seus familiares desassistidos em qualquer âmbito desta palavra – de cuidado, afeto, atenção, preocupação ou de sua simples presença no dia a dia familiar.

Infelizmente, este quadro não é algo raro de acontecer. É comum nos surpreendermos com a informação de que algum voluntário dedicado e amoroso em seu trabalho assistencial, transforma-se em casa com seu(ua) parceiro (a) e filhos agindo de forma intolerante, rude e seca por exemplo. Será que estas pessoas notam sua drástica mudança? Como um familiar seu deve se sentir ao vê-lo tão amável e prestativo nos demais ambientes ao mesmo tempo que se mantém tão pesado e difícil de lidar dentro de casa?

Há pessoas que não conseguem manter uma convivência harmoniosa em casa e acabam se embrenhando em algum tipo de trabalho assistencial de forma a fugir um pouco de seu ambiente hostil, onde mantém relações desafiadoras, para se sentirem melhor de alguma forma a serviço do bem. Um perigo, nestes casos, é a pessoa manter o trabalho voluntário como uma bengala para um casamento falido, por exemplo, ou para a manutenção de uma situação dolorosa em sua vida pessoal que acaba alienada pela distração nos afazeres do bem. Enquanto o trabalho fica neste lugar, de certa forma preenchendo o espaço vazio e amenizando os embates e mal-estar, o problema tarda a ser solucionado. E a dor se mantém ali, preservada e inalterada.

As vezes a dificuldade está em se modificar, outras está em modificar algo em sua relação. Mas se não dedicamos nossa atenção a isso, apenas prolongamos amarguras e dor e retardamos o nosso desenvolvimento e crescimento pessoal e/ou nas relações.

Temos também os casos onde as pessoas parecem ter uma boa relação em casa, mas estão tão preocupados com o externo que acabam por deixar seus “afortunados filhos”, de lado para cuidar dos carentes, sem ter a menor consciência do que estão fazendo.

Está aí mais um ponto importante a se avaliar. De que vale acolher e cuidar das pessoas carentes de qualquer instituição se deixo de dar assistência aos participantes do meu núcleo familiar, deixando-os de certa forma carentes ou desprovidos de algo tão fundamental quanto o afeto?

Isto pode acontecer por elas julgarem o trabalho voluntário mais importante e glorioso, por necessitarem do reconhecimento e admiração social, pela dificuldade de encarar seu trabalho pessoal de reforma íntima ou a necessidade de resolução de seus conflitos interpessoais em família.

Quem nunca conheceu alguém irrequieto, que viveu uma vida inteira correndo de um lado para o outro, se atribulando com ocupações e tarefas externas evitando estarem quietas e sozinhas consigo mesmas afim de não se depararem com suas questões internas? São pessoas que tem tanta dificuldade de se olharem e entrarem em contato com suas mazelas e dores na alma que passam sua vida ou parte dela se “distraindo” em cuidar e resolver os problemas dos outros. E estes outros vão de parceiros, filhos ou parentes, vizinhos até trabalhos assistências e pessoas carentes conhecidas ou não. 

E nesta busca desenfreada de negar este contato com seu ser e com as dores e marcas que carrega, muitas pessoas têm vivido uma vida praticamente superficial e artificial. Pois o vazio na alma toma conta, cada vez mais, fazendo com que elas pareçam alegres e agradáveis do lado de fora mas permaneçam secas e amarguradas por dentro.

Neste sentido, podemos questionar a manutenção do trabalho voluntário na vida de pessoas assim. O quanto será que esta ajuda mecânica – a possível para este tipo de pessoa destruída e perturbada internamente – acrescenta mais aos necessitados do que a possibilidade de cura e alívio de sua dor interna?

Será que para o necessitado existe diferença em receber algo que transborda e extrapola do outro ou receber de quem esburaca sua alma para ajudar? Talvez não superficialmente. Então podemos concluir que o auto-cuidado é tão importante quanto o cuidado ao próximo. Se queremos ser boas ferramentas no alívio do sofrimento humano, precisamos lembrar também de cuidar de nosso sofrimento pessoal. Um cuidado fortalece e potencializa o outro. Ambos são importantes e necessários e nenhum exclui a necessidade do outro, apenas se complementam e empoderam.

 

 A prática do trabalho voluntário como maneira de lidar com sua dificuldade relacional:

Existem pessoas que tendem a trabalhar demais. Geralmente, são pessoas que só encontram conforto nesta área da vida e por isso permanecem focados nela. Ter que sair da sua zona de conforto e segurança para encarar novas áreas desafiadoras da vida acaba sendo uma tarefa deixada de lado. E dessa forma, as pessoas se acomodam em áreas que dominam com facilidade mas, com isso, evitam seu desenvolvimento e crescimento através de experiências novas.

O trabalho voluntário passa a ser uma forma destas pessoas se inserirem em um grupo e manterem algum tipo de relação; mesmo que distanciada e impessoal. Representa muitas vezes, a possibilidade de aplacar a solidão em que se encontram e passam a ser um alento muitas vezes maior para o voluntário do que para o ajudado.

Mesmo que neste tipo de tarefa o contato não necessite ser estreito e as relações não se aprofundem, esta passa a ser uma forma, mesmo que distanciada de relação. Longe de um relacionamento íntimo, mas muitas vezes a forma possível daquela pessoa de se relacionar.

 

 A prática do trabalho voluntário como forma de alimentar o ego e ganhar uma posição de destaque e poder:

Além de todas as questões levantadas até agora acerca da prática do trabalho voluntário, temos ainda o conflito entre o motivo de muitos voluntários estarem na posição de ajudadores afim de alimentar seu ego e não pelo altruísmo.

Isto se dá de forma muito sutil e parece mais frequente do que se imagina. Existem instituições onde a entrada de novos voluntários já se torna algo difícil e seletivo. Como compreender uma instituição de caridade que limita ou condiciona a entrada de novos voluntários de forma que inviabiliza o aumento de seu potencial de ajuda?

E quando a pessoa interessada em participar de um programa voluntário, consegue por vezes com muito custo ingressar em alguma instituição de caridade, passa a ter que lidar com outras dificuldades. E dentre as causas deste hall de dificuldade algumas passam pela vaidade e pela necessidade de satisfação do ego pessoal. Fatores como tempo de serviço ou função ocupada na instituição, classe social, estado civil dentre outros são razões utilizadas para criar certa ascendência de uns perante outros.

E diante de tudo isso, muitas vezes vemos os interesses dos assistidos serem sobrepostos pela necessidade dos dirigentes estarem numa posição de comando, poder ou superioridade.

Seria caridade ingressar num trabalho assistencial, que tem o intuito de ajudar o próximo, munido de uma crença de superioridade que o faz humilhar e submeter os demais voluntários?

Tem pessoas que se embrenham por este campo e são seduzidos e arrebatados pelo status e reconhecimento adquirido lá. E passam cada vez mais a dedicar seu tempo e esforço para este tipo de atividade não pelo sentido de caridade que aquele trabalho tem, mas pela necessidade de ser cada vez mais reconhecido e valorizado.

É tentador ser reconhecido na rua, receber regalias e certo destaque e não querer mais e mais disso. E em nome deste prazer, alguns deixam de dar atenção a outras áreas de suas vidas e se tornam escravos deste tipo de satisfação: a satisfação do ego. Nada lhe parece mais importante. A família fica de lado e os compromissos sociais tornam-se mais frequentes. Até seu cuidado com a saúde fica de lado quando o assunto é se manter no foco dos holofotes!

Com isso, os vaidosos acabam por criar verdadeiros personagens dotados das características exatas para encantar e seduzir sua platéia de admiradores. Personagens que seduzem seguidores e ouvintes mas que o distancia cada vez mais de seu eu interior. Personagens que os torna prisioneiros do aplauso e da admiração que vem de fora. E os isola de relações próximas e verdadeiras.

Pensando nisso, podemos afirmar que os maiores enganados não são as pessoas que recebem a ajuda e sim os ajudadores que estão ali em nome de outra coisa que não seja ajudar o próximo.

Por estas e outras razões, precisamos estar atentos e nos questionar a todo momento em nome do que realizamos determinado trabalho voluntário. Quanto mais alinhados com nosso propósito estivermos, mais força nosso trabalho terá e mais poderemos ajudar.

aqui para adicionar e editar seu próprio texto. É fácil.

bottom of page