Casos
TOC com criança de 11 anos
Recebi um dia, uma mãe muito preocupada com seu filho mais velho, de 11 anos de idade, que apresentava sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Sua preocupação era grande, já que tinha histórico de Transtornos Psiquiátricos Severos em familiares de seu marido.
Dentre outras queixas, a mais relevante ela já conseguia identificar como um possível caso de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) . O sofrimento de J e de sua família, estava relacionado aos seus medos e pensamentos invasivos presentes todas as noites na hora de dormir. J perdia bastante tempo, todas as noites até conseguir cumprir todos os rituais necessários para que finalmente pudesse adormecer e descansar para um novo dia.
Com as conversas iniciais com os pais e com o próprio J, fui explorando e entendendo mais e mais estes rituais e de que forma eles prejudicavam a vida de J e sua família. Os rituais envolviam tarefas que J tinha que realizar como, por exemplo, ter que descer de sua cama beliche e ir até a cozinha pegar água e voltar ou ter que ir até a sala e arrumar todos os objetos de lá (controles remoto, almofadas e etc). Enquanto ele resistia em fazer as tarefas, era atormentado com pensamentos ruins e torturantes que o faziam acreditar que se não as fizesse sofreria com a morte de seus pais ou irmão. Esses pensamentos incessantes não o deixavam dormir. Depois de vencida esta etapa, novo ritual se fazia necessário para que J conseguisse finalmente pegar no sono. Ele precisava desta vez, dar boa noite em voz alta deitado em sua cama para todos os moradores de sua casa e precisava ser respondido por todos eles. Além disso, tinha que falar uma última frase de despedida que não podia ser respondida por ninguém. Suas palavras tinham que ser a última coisa a ser dita. Se algum membro da família falasse algo mais, J tinha que repetir sua longa saudação até que todos os requisitos estivessem atendidos para que ele finalmente pudesse dormir sem a ameaça assustadora da morte de um de seus familiares.
Isso estava se tornando muito cansativo e torturante para todos em casa, e principalmente para J que sofria intensamente com as ameaças de seus pensamentos obsessivos.
Fiquei muito mobilizada com o caso de J e pensei nas diversas técnicas que poderia utilizar para acessar a causa do seu sofrimento e ajudá-lo a aliviar sua dor.
Na primeira consulta que tive com J, conversamos a sessão inteira sobre seu sofrimento e fui esmiuçando os detalhes de seu TOC e outras queixas que ele trazia. Me chamava a atenção a sua postura, encolhida na poltrona e sua fala quase que inaudível quando relatava questões que lhe traziam um desconforto maior. J se mostrava um menino doce, muito inteligente, sensível e com uma grande capacidade de se comunicar e articular seus pensamentos no setting terapêutico. Tomei nota de tudo que ele ia relatando, fiz muitas perguntas e por fim expliquei a ele para que servia a terapia e como trabalharíamos ali para ajuda-lo a superar seus sofrimentos e dificuldades.
Na sessão seguinte, resolvi usar uma abordagem de Constelação Sistêmica usando bonecos Playmobil para fazê-lo reviver e me mostrar mais concretamente o que acontecia todas as noites na hora que ele se deitava pela primeira vez, tentando dormir. J usou móveis de brinquedo para montar o seu quarto no chão da minha sala, escolheu os bonecos que representariam ele e seu irmão mais novo (que dormia na cama de baixo) e arrumou os bonecos em sua cama. Começamos a conversar e pedi que ele imaginasse e escolhesse bonecos ou objetos que representassem o que estivesse causando todos aqueles pensamentos perturbadores na hora de dormir. J olhava fixamente para os bonecos. Num primeiro momento pegou três deles em suas mãos e mantinha o mesmo olhar fixo. Pedi que ele colocasse aqueles bonecos (a causa daquela perturbação) no lugar que elas de fato ocupavam dentro ou fora do seu quarto. J arrumou-os ao lado de sua cama sem desgrudar o olhar deles nem por um segundo. De repente ele tirou dois dos bonecos deixando apenas um deles (um Playmobil preto e prata, com uma mancha verde e vermelha ainda “sujando” o seu peito). Depois de um longo tempo de J encarando o boneco, perguntei a ele se aquele ali tinha a ver com a causa de toda aquela perturbação. J respondeu que sim e completou dizendo que aquele “guerreiro português” era o responsável por tudo aquilo. Com certeza uma estória significativa do passado de J começava a se descortinar a nossa frente...
J relata neste momento espontaneamente: “Eu já matei esse guerreiro em uma luta.” Considerei naquele momento que este guerreiro poderia ser uma influência espiritual que acompanhava meu pequeno cliente há muito tempo, participando de alguma forma de seu sofrimento.
Perguntei o que o guerreiro português sentia por J para estar hoje provocando tanto sofrimento em sua vida e ele me respondeu que o guerreiro sentia muita raiva. Pedi que J me contasse o que aconteceu entre ele e o guerreiro português para que eles estivessem ligados até hoje e daí uma estória forte e emocionada emergiu.
J começa a narrar uma situação onde ele se vê como um homem que luta com o guerreiro português, o golpeia com muita raiva e o mata com um profundo corte na barriga. Voltamos mais no tempo para entender o que acontecera antes nesta vivência para que seu personagem viesse a matá-lo assim com tanta raiva.
Vamos para o primeiro momento importante onde J se percebe liderando o seu grupo de homens para invadir e saquear um vilarejo. Além de saquear, parece que eles matam pessoas e destroem suas casas. Com isso, eles ganham um grupo de rivais que passa a nutrir grande ódio e desejo de vingança.
Em seguida, se vê retornando de uma batalha onde avista sua casa pegando fogo e encontra sua esposa e seus dois filhos mortos. Nesse momento vi o meu pequeno J de hoje chorar, se emocionar e sofrer como um adulto ao reviver o acontecido. Mesmo sem entender direito o que estava acontecendo J podia já ser beneficiado pelo processo escoando a intensa dor e sofrimento de voltar para casa e ver seus familiares mortos pelo bando inimigo.
Ali, naquele momento de dor, seu personagem do passado decide ir atrás do líder do grupo rival (o guerreiro português) e acabar com ele. Começamos a entender o motivo daquela morte enfurecida e violenta da primeira cena que emergiu em nosso trabalho.
Explorei mais um pouco até compreendermos que a dor que seu personagem sofreu nesta vivência, perdendo a família inteira naquele incêndio, se inicia quando, junto com seu bando, saqueou aquele vilarejo e destruiu da mesma forma as casas e famílias de todos aqueles homens que sequer conheciam gerando um ciclo de ódio e vingança onde ele mesmo vai ser vítima depois. J avalia que eles poderiam ter apenas saqueado o local, sem ter tirado a vida daquelas pessoas ou destruído suas casas.
Chequei com J se ele estava compreendendo o que ocorria ali. Ele me respondeu que não. Mas J não parecia desejar ou precisar de muita explicação. Isso é um fenômeno que costuma acontecer na terapia com crianças.
Fechamos o trabalho num papo de acerto de contas onde J, emocionado, com a voz embargada quase que sumindo, pede perdão ao guerreiro português por toda a maldade que fez com sua família e todo o pessoal do seu vilarejo. Aqui acontece um dos momentos mais significativos da sessão: J relata que o guerreiro português aceita seu pedido de perdão, vira de costas e vai embora. O semblante de J se torna sereno e tranqüilo, apesar de aparentemente cansado.
No fim da sessão, orientei a mãe de J que observasse as possíveis repercussões que o trabalho daquela sessão traria. Pedi que observassem como ficaria o TOC à partir disso.
Na sessão seguinte, fui surpreendida quando J e sua mãe chegam me contando que depois daquele nosso único trabalho J pode agora dormir sem ter que repetir todos aqueles rituais. Ele já não sofre mais com aqueles pensamentos torturantes e pode deitar e dormir como a maioria das crianças faz. A minha surpresa foi a significativa melhora com apenas uma sessão com trabalho vivencial. Muitas vezes, serão necessárias várias sessões para que a criança consiga superar as dificuldades que traz para a terapia. O próprio J, à partir dessa sessão, passou a trazer outras questões que interferiam na sua vida.
Outra coisa importante a dizer é que este é apenas um caso de TOC. Cada caso terá uma causa diferente já que cada um de nós constrói a sua estória por caminhos diferentes.
1a sessão com menina de 10 anos
Há quem pense que atender crianças é uma tarefa difícil, pelo fato das crianças muitas vezes não se expressarem verbalmente relatando seus conflitos e dificuldades. Mas, na verdade, o trabalho com crianças requer alta dose de criatividade, respeito e disponibilidade para estar com ela, ouvir o que ela diz e o que não diz, se sujar, brincar e trabalhar suas questões à medida que elas vão emergindo. Talvez o que seja difícil, seja o fato de que a criança traz e expressa o que ela quer e quando quer. Se ela não quer trabalhar algum tema, nada feito! Mas com adultos acontece bem parecido... O fato é que os adultos, na maioria das vezes não tem a coragem das crianças de assumir que não querem mexer naquilo naquele momento e acabam tentando “enrolar” o terapeuta. Seja faltando a sessão, ou falando eloquentemente sobre um acontecimento recente e etc...
As crianças, nas e através das brincadeiras expressam e elaboram suas questões de forma bastante clara.
Pretendo dividir com vocês algumas atividades que realizei com crianças onde obtive de forma singular e expressiva algumas de suas queixas, dores, expectativas, fantasias, crenças e etc.
Estes primeiros trabalhos são de uma cliente L. de 10 anos, que chegou para a terapia por causa de sua dificuldade em aceitar e lidar com a separação dos pais que tinha acontecido 3 anos atrás.
Na primeira sessão, fizemos algumas atividades usando desenho para nos conhecermos melhor e pudemos pensar em conversar sobre coisas que gostamos e não gostamos. Já aí, pudemos conversar um pouco sobre o fato dela não gostar de ser triste, dos pais se separarem e de sentir saudades do pai que desde a conturbada separação poucas vezes pega os filhos para passar o dia.
No primeiro dia, esta cliente L. já foi capaz de expressar e conversar sobre o motivo dela estar precisando da minha ajuda! Apesar de sua timidez e da grande dificuldade de expressar seus sentimentos e conflitos com seus familiares ela conseguiu, a medida que ia desenhando, ir conversando comigo sem tirar os olhinhos do papel.
Enquanto falava timidamente, sem levantar a cabeça e me olhar, pude perceber que à medida que ela foi falando da sua tristeza, dos dias que passava sem falar e ver o pai, da saudade que isso provocava nela e no seu irmão seus ombros foram ficando mais relaxados e ela foi se soltando mais na cadeira.
À partir daí ela foi ficando mais solta e começou a escolher mais cores de canetinhas e giz de cera para expressar as coisas que ela gosta. Pude até ver seu sorriso que começou a aparecer ao falar das coisas que gosta de fazer e das pessoas que realizam aquelas atividades com ela.