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Segredos da Psicoterapia: Mudança ou Aceitação?

Quando falamos em psicoterapia, o primeiro conceito que nos vem a mente é o de mudança. Mudança de valores, de crenças limitantes, conceitos antigos, expectativas, perspectivas, mudança de um comportamento indesejado, de emprego, de parceiro e etc.

Mudança do que traz dor e sofrimento para o que trará paz e satisfação. E ainda assim, mudanças muito difíceis de serem realizadas com apoio e quase impossíveis de serem realizadas sozinhas.

Até para que o paciente sofrido consiga buscar ajuda que tanto necessita na psicoterapia, há que se haver uma mudança de paradigma e mentalidade da população. Já que muitos aprendem coisas do tipo: “precisar de ajuda, é sinal de fraqueza” ou que “homens não choram” ou ainda que “psicólogo é coisa de maluco” e por aí vai... E ainda ouvimos e lemos afirmações de que um processo terapêutico equivale a um chopp num bar ou a uma boa viagem com os amigos. Antes fosse simples assim... Ambos são fantásticos – bons momentos com amigos e terapia -  mas um não exclui a necessidade do outro ocorrer. Talvez, se assim fosse, não veríamos cada vez mais pessoas doentes da alma; machucando-se uns aos outros na busca de coisas que, por fim, acabam não trazendo sentido para suas existências.

Somente quando a pessoa muda ou rompe com estes conceitos distorcidos e aceita que sozinha não está dando conta das mudanças que precisa fazer para deixar de sofrer esta procura ocorre e o tratamento psicoterápico finalmente se dá. E quando isso ocorre é comum escutarmos relatos, carregados de arrependimento, do tipo: “ah, porque não procurei ajuda antes?” ou “se eu soubesse que ia me ajudar tanto, não teria enrolado tanto tempo até procurar ajuda” ou mesmo “não precisava ter sofrido tudo isso sozinho”.

E vemos estas pessoas chegando para a psicoterapia num estado deplorável, já no limite de suas forças. Claramente trazidas pela dor excessiva e insuportável e depois de terem ficado longo tempo tentando administrar sozinhas suas dores e conflitos.

Mudança e Aceitação são, na verdade, palavras que andam juntas. Afinal, aceitar algo significa em alguma instância uma mudança – senão de paradigma, a mudança de um comportamento ou atitude.

Aceitar significa parar de resistir ou dispender energia ou esforços com algo que não pode e nem poderá ser diferente. É abrir mão da queda de braço que travamos com situações ou pessoas na vida que não nos levara a lugar algum e que acarretará apenas  uma exaustão e sofrimento físicos, emocionais e mentais podendo desencadear inclusive graves questões psicológicas. Daí provém o corriqueiro e sábio jargão: “aceita que dói menos.”

Quantos de nós nos pegamos sofrendo excessivamente pela dificuldade de aceitar algo em nossas vidas? Seja uma reação inadequada que continuamos mantendo, um emprego que não era o sonhado, um casamento difícil que nos faz questionar se devemos insistir naquele caminho e até o simples FATO de que cada um é um ser diferente – com valores, crenças, anseios, educação familiar, forma de ser, pensar e agir diferentes. E embora todos saibam disso, vemos a maioria das pessoas sofrendo pela maneira diferente do outro ser. Seja pela expectativa que foi gerada em relação ao outro com base em nossa bagagem pessoal; que faz com que eu espere que o outro pense ou se comporte como eu o faria ou nas demandas que foram criadas em relação ao outro mas que na verdade o outro não tem capacidade para atender; o que faz com que eu me frustre por isso e culpe o outro.

Se eu não me conscientizo disso e aceito estas diferenças entre as pessoas, que é um FATO real e concreto, me frustro frequentemente e crio conflitos esperando que o outro pense ou responda de uma maneira que ele não é capaz de fazer. É dolorido para ambos os lados: o que cobra ou espera uma resposta diferente da possível. E o que nunca conseguirá responder satisfatoriamente às expectativas ou anseios do outro.

Dessa forma vemos muitas pessoas hoje se relacionando não com as pessoas reais, mas com fantasias ou ilusões que criam umas em relação as outras. E muitas vezes de si mesmos. O que gera muito mais dor, conflito e sofrimento para todos os lados.

São pessoas que se machucam e sofrem as consequências por julgarem o outro de acordo com sua ótica e ponto de vista, porque imputam-lhe intenções, sentimentos e pensamentos que nada têm a ver com o outro. São falsas e distorcidas especulações, frutos do espelhamento de suas próprias marcas no outro ou projeções de seus maiores temores, causando caos e dor como se reais fossem.

Se não aceito, deixo de viver o mundo real e me mantenho aprisionado ao mundo da ilusão, onde residem não só os sonhos como também nossos medos e traumas profundos. Nego o mundo que na realidade existe e insisto em tentar viver no mundo    que eu julgo que deveria existir. Vivo o “como deveria ser” e não o como de fato a vida é ou pode ser ou vir a ser.

Sofre-se repetindo o mesmo padrão de escolhas ou comportamento, considerando sempre o mesmo modelo engessado de lógica ou raciocínio que nada tem a ver com a realidade. Estamos presos aí num padrão mental adoecido.

E quão complicado parece ser viver num mundo como se em outro estivesse; lidar com alguém como se diferente fosse ou esperar de si mesmo coisas que não somos capazes de realizar.

É como estar na vida sem viver. Uma queda de braço interminável com modelos idealizados de perfeição e uma constante negação da realidade. Uma insistência constante e cega pela dor.

Se já falamos da enorme dor e desgaste que envolve a dificuldade de aceitar o que é ou se tem, imagine o agravante de não se conseguir aceitar o que foi ou o que tivemos no PASSADO.  Uma infância sofrida, um familiar difícil, uma criança violentada ou abandonada, uma situação humilhante vivida no passado, precisam de aceitação para que deixem de causar tantos danos e sofrimentos em nossa vida atual.

Quantos de nós, não seguem em suas vidas, permanecem paralisados, aprisionados na falta e na dor, não conseguindo desfrutar o bem-estar e a alegria do que tem?

Enquanto não aceitamos algo, não o deixamos ir. Permanecemos presos, aquela dor, escravizados pela fixação e apego criados e mantemos aquele passado dolorido vivo dia a dia dentro de nós.

E só quem pode nos libertar desta dura pena, somos nós mesmos. E esta libertação passa por uma mudança de padrão e postura, no sentido de aceitar o que não pode ser para que se possa conviver em paz e desfrutando o que é possível em cada momento ou situação.

No processo terapêutico, muitos se punem ou sentem-se mal quando notam que ainda não conseguem fazer diferente. Quando notam que não modificaram um padrão que estão trabalhando para modificar. Eles têm dificuldade inclusive de aceitar o processo de mudança tal como é – um processo que envolve a repetição cada vez menos frequente do padrão antigo até sua definitiva transformação ou extinção.

E tantos são os que se depreciam, se desanimam, se punem ou até os que desistem de todo o trabalho duro que realizaram até ali quando percebem que repetiram mais uma vez o antigo padrão ou “erro”.

E aí está em jogo também o processo de mudança primordial em sua estrutura rigorosa e rígida que não lhe permite o natural processo de ensaio e erro de todo aprendiz no caminho de crescimento e autoconhecimento.

Como exigir que depois de ensinada uma lição o aprendiz siga de pronto acertando sem nenhuma possibilidade de equívoco ou erro?

A capacidade de aceitar os erros e encará-los como um caminho necessário para conquistar os acertos é o caminho mais tranquilo e humano a se percorrer.

A CULPA, um sentimento tão sofrido e aprisionador, traz com ela uma carga de prepotência tão grande que se deflagra claramente na incapacidade do culpado em aceitar o que fez ou como fez.

Vemos o culpado se penalizar duramente por não ter tido condições de fazer algo, por não ter pensado de outra forma ou por não ter considerado algo naquela ocasião. Ele não consegue aceitar que cometeu aquele erro e não se perdoa por pelo que fez. Como se ele exigisse dele uma perfeição que não tem.

Não aceita que, naquele momento do erro, não teve condições de pensar de outra forma e por isso, fica incessantemente se martirizando e se condenando procurando posteriormente alternativas que agora ele acredita que deveria ter elegido.

E estas alternativas se materializam numa lista obsessiva e torturante de falsas possibilidades que começam com duas palavras comumente usadas nestas situações: E Se... Palavras aparentemente inofensivas, mas altamente torturantes e paralisadoras se usadas juntas para descrever algo que julgamos que poderia ter sido feito no passado.

“E se eu não tivesse falado?”, “e se ele não tivesse ido?”, “e se eu tivesse tentado?”, “e se ele tivesse perdido aquele voo?”

Muitas possibilidades falsas que só aumentam a dor e o martírio de quem se desgasta por não aceitar o fato como foi. A dor de quem se machuca mesmo sabendo que sua intenção no fundo não era de que algo ruim acontecesse.

A Culpa, acaba se tornando uma prisão perpétua. Onde o réu é também seu implacável juiz, que se aplica a mais dura pena. E por mais que todos o absolvam e tentem o livrar daquela pena excessiva e inadequada, ele não se permite libertar e seguir adiante. Se torna seu pior algoz, se punindo por não ter feito melhor do que, de fato, podia fazer naquele momento.

Outro caso na psicologia, frequentemente recebido nos consultórios e que também está diretamente ligado à Incapacidade de aceitação é a DEPRESSÃO.

A Depressão também envolve uma grande dificuldade da pessoa em aceitar algo em sua vida, nela mesma ou em alguma pessoa, que não funciona como ela gostaria. Diante da impossibilidade de ser como gostaria ou de viver como gostaria, o deprimido se ressente, se entrega e frequentemente se revolta contra a vida, estagnando diante de uma situação que ele não desejava que ocorresse.

Alguns viverão isso com uma tristeza enorme aparente e outros demonstrarão sua imensa raiva e contrariedade diante da impossibilidade do que ela que viver, ser ou ter.

Outros acabam se suicidando, direta ou indiretamente, demonstrando em parte dos casos forte perda de sentido de vida, apatia e tristeza e em outros forte raiva, irritação e insatisfação constante quando impelido a viver a realidade possível ao invés da situação desejada por ele.

Negam tudo que existe ao seu redor enquanto campo de possibilidades e permanecem irredutíveis e teimosos presos a única saída aceita por ele. E quando falamos em única saída, precisamos dizer que não se trata da melhor saída ou da saída mais adequada para aquele sujeito. Falamos da saída elegida por ele como a única solução possível para resolver satisfatoriamente aquela questão. O sujeito se fecha e se aprisiona a esta idéia fixa, não se permitindo experienciar nenhuma outra alternativa.

 

 

 

 

 

 

Aceitar o passado é fundamental para se viver efetivamente o presente. Enquanto não aceitamos algo em nosso passado, não o deixamos ir. Permanecemos presos a ele e os tornamos parte viva e atuante do nosso presente. Aceitar o passado significa se libertar e apaziguar uma questão, significa encerrar um ciclo ou um assunto.

Aceitar o presente é fundamental para se criar um futuro sadio. Aceitar o presente é caminhar dentro das possibilidades existentes. Enquanto não aceito permaneço paralisado, bloqueado e insatisfeito.

Cabe pontuar aqui que aceitar não é desistir de tudo o que não nos vem facilmente as mãos. Mudar de casamento, emprego, escola ou grupo social não é, muitas das vezes, a solução adequada para determinado conflito. Senão, passaríamos a vida precisando mudar de escola, emprego, amigos e parceiro para dar conta de uma necessidade de satisfação pessoal não atendida. O que sinaliza, na verdade a necessidade de uma mudança pessoal afim de se adequar aquele tipo de situação difícil.

Mas quando seria o caso onde necessitaríamos modificar a situação externa ou o caso de mudar algo interno em nossa estrutura?

Acho que como passo inicial numa situação de sofrimento ou conflito, a parte sofredora deve buscar identificar o que nela precisa ser mudado para que ela possa lidar com aquela dificuldade de uma forma melhor.

Mudar simplesmente o ambiente externo afim de evitar aquele tipo de dor pode não ser uma saída eficaz, já que o novo ambiente externo pode apresentar com o tempo novos fatores que o tragam o mesmo tipo de incômodo ou dor. E se assim for, não poderemos ficar simplesmente mudando de ambiente a todo momento incessantemente, como escola, trabalho, grupo social etc.

Precisamos aproveitar o momento de dor para aprendermos todas as lições que a vida pretende nos trazer com aquele sofrimento. Desta forma, vamos nos munindo cada vez mais de novas ferramentas para lidar com o mundo a nossa volta e evitando que em situações futuras como esta, sintamos a mesma dor.

Como saber se estamos aprendendo as lições que precisávamos com aquela dor? Observando apenas se a dor inicial cede ao estarmos em contato novamente com a antiga fonte de dor ou sofrimento.

E somente quando já fizemos todas as mudanças necessárias para lidar com aquele conflito, podemos pensar e modificar nosso ambiente externo e nos afastar então da fonte geradora de dor até então. Pois se encontrarmos em nosso novo caminho algo parecido, já saberemos sentir e lidar de uma forma diferente.

 

Quando falamos em MUDANÇA, falamos da transformação do que é para o que se quer ou precisa vir a ser. A maior mola propulsora da mudança é a dor.

Sempre que estamos acomodados ou aprisionados em algo que não faz mais sentido para a nossa realidade atual, a dor chega como forma de nos sinalizar que algo necessita ser modificado.

As vezes a dor chega como maneira de percebermos que houve um erro na rota, que estamos tentando avançar num caminho errado, que desviamos do nosso destino final, dispendendo muito esforço e energia sem extrair satisfação e crescimento na caminhada. Eis que a dor aparece como um sinal vermelho, um sinal de alerta para nós mesmos nos conscientizarmos sobre o rumo que estamos dando a nossa vida.

Diante da dor, nem sempre sabe-se o que exatamente não vai bem nesta caminhada. O que mudar para aliviar esta dor? – este é o tema de muitos processos terapêuticos. Marcando o início de uma importante jornada de autoconhecimento e transformações.

Outras pessoas já conseguem perceber o que precisam modificar para retomar o bem-estar e a paz na caminhada mas sua questão é: como mudar? Como deixar de repetir aquele antigo padrão que insiste em causar dor e desconforto, mas quando percebemos já aconteceu novamente. Sabemos que ninguém muda ninguém. Mas, muitas vezes, não se consegue mudar sozinho.

Com o trabalho árduo e vigilante, o sinal de que a mudança foi feita e o grande motivador do processo contínuo de mudança pessoal é o alívio da dor. Isso porque, ao começar a mudança, o sujeito começa a sentir o alívio do sofrimento e passa a se empenhar mais e mais neste processo até retomar o caminho original de onde ele nunca devia ter se afastado.

É comum vermos as pessoas constantemente desejando a mudança de algo externo, algo fora delas mesmas: do parceiro, da empresa, do sistema, dos políticos, do mundo...

Elas se incomodam e perturbam com coisas e questões fora delas e acreditam que seu bem-estar e satisfação dependem da mudança destas coisas/pessoas. Colocam sua felicidade e realização na mão do outro e se tornam dependentes deles para sentirem-se bem. Porque, se o outro não deseja ou não se empenha em mudar, sua paz e realização estão caem por terra!

E o que elas não tem consciência, na maior parte das vezes, é que o outro nos serve apenas como espelhos onde refletimos e vemos refletido características de nós mesmos. Quando nos irritamos ou entristecemos por exemplo, com algo que enxergamos no outro, estamos na verdade, sendo alertados sobre o que precisamos modificar em nós mesmos. E todo o nosso mal estar é apenas um sinal do que deve ser trabalhado para mudar em nós.

Mas é muito difícil notar isso, já que em grande parte destes casos, o insatisfeito julga não possuir aquelas características altamente condenadas por ele. Ou não percebe que é um comportamento dele ou sua forma de pensar que provocam a reação tão indesejada.

Nos perdemos no outro e passamos muito tempo frustrados e impotentes canalizando nossas forças na tentativa de modificar o mundo a nossa volta. E mesmo que o mundo inteiro se modificasse, continuaríamos mal necessitando de reparo.

Costumo dizer que quando uma pessoa não está satisfeita com alguma pessoa ou situação, tem como única possibilidade de resolução trabalhar em sua mudança pessoal. A única forma de modificarmos o que não nos satisfaz no mundo exterior, é modificar a maneira que lidamos ou reagimos com aquele desconforto. Pode ser que a partir daí, ocorram mudanças no seu entorno e a situação perturbadora se altere. Mas, caso isso não ocorra, o maior interessado – a pessoa incomodada com a situação perturbadora – terá modificado pelo menos seu mal-estar em relação aquela situação e poderá reagir e sentir de uma forma diferente e extinguir unilateralmente o problema que o estava aborrecendo ou causando desgaste.

Pagamos um alto preço tentando evitar ou negar a realidade. Pois além do desgaste e sofrimento que carregamos com a não aceitação, nos mantemos presos ao que tanto tentamos negar os tornando mais presentes e atuantes em nossas vidas.

Hellinger, o pai das Constelações Familiares, costuma dizer que tudo o que excluímos ou negamos nos prende e o que aceitamos e incluímos em nossas vidas nos deixa livres para seguir nosso caminho.

 

Daniele Vanzan é Psicóloga e especialista em Psicologia Jurídica. Formou-se posteriormente em Terapia de Vida Passada (Terapia Regressiva) e Constelação Sistêmica. Atualmente, atende e ministra cursos para terapeutas interessados nestas áreas de atuação. Autora de 2 livros infantis junto a Editora Boa Nova: “Não consigo desgrudar da mamãe” que versa sobre a ansiedade de separação e “Eu sou o rei de todo o mundo” que aborda a problemática das crianças que têm dificuldade de aceitar limites. São livros destinados a crianças e adultos que necessitam de informações e orientações acerca destes temas.

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