O Crescente índice de suicídio em adolescentes.
A Adolescência:
A adolescência é uma etapa da vida bem delicada e conturbada, pois compreende o momento onde estamos deixando a fase da infância para adentrar na fase adulta. Um momento onde não nos reconhecemos mais como crianças, mas ainda não pertencemos, de fato, ao universo dos adultos. Momento confuso, onde hora nos comportamos como crianças e hora tentamos nos diferenciar delas buscando um comportamento distinto porém, nem sempre, mais maduro.
E como se não bastasse toda esta confusão acerca de sua identidade pessoal, ainda precisam lidar com a confusão que os circundantes também atravessam e os impõem. Por vezes, seus pais lhes fazem cobranças pesadas como se já fossem adultos. E paradoxalmente, os regulam, vigiam e tolhem, fazendo cobranças e tratando-os como se ainda fossem crianças. As informações que recebem do meio são ambíguas e os confundem ainda mais. Falas do tipo: “você não acha que está muito velha para isso?” seguidas de: “você não acha que ainda não tem idade suficiente para isso?” fazem com que esta confusão se agrave mais.
Como compreender e lidar com este limite subjetivo e tênue nesta fase de transição entre a infância e a vida adulta? Roupas de criança X roupas de adulto, programas de criança X programas de adulto, comportamentos, gostos... quando chega a hora de mudar? E qual a medida para esta mudança?
Por conta da dificuldade em saber estas respostas, vemos jovens tentando acelerar este processo e se esforçando em deixar hábitos e prazeres ainda presentes para trás. Esta pressão pode vir deles mesmos ou do mundo que os cerca – familiares, sociedade, amigos etc. Tentando se enquadrar no modelo desejado ou esperado, o mais novo adolescente do pedaço pode se submeter a manter em secreto certos gostos ou padrões da infância evitando ser cobrado ou criticado pelos demais. E pode até se sentir mal caso a cobrança por estas mudanças seja também uma cobrança interna.
Tudo isso, vem aliado a uma série de mudanças corporais. Os hormônios estão a todo o vapor causando instabilidade emocional e uma supervalorização dos eventos vivenciados com a presença de sentimentos e reações exacerbados e muitas vezes desproporcionais ao momento. Tudo fica exagerado e mais dramático. E as emoções mudam de alegria a tristeza em questão de segundos já que a instabilidade emocional encontra-se extrema. As emoções oscilam e os comportamentos impulsivos aparecem, sem que os adultos possam compreender o que está se passando com os jovens.
A voz e o corpo modificam-se drasticamente, causando desde incertezas, timidez e insegurança até baixa estima e isolamento social. Novos pelos, crescimento dos seios, início da menstruação, voz mais grave nos meninos, aumento da estatura, do peso corporal e do tamanho dos pés - tudo isso notado e apontado pelos que com eles convivem e demandando adaptação para todos.
Perdem roupas e sapatos em questão de meses e esbarram em tudo pelo caminho. Se machucam e machucam os demais por não terem ainda a noção de seu tamanho e força atual. Muita coisa necessita ser reajustada e reaprendida ali.
Esta fase demanda ainda que o adolescente construa a sua individualidade, e para isso precisará passar pelo processo de desidentificação (separação) de seus pais e da identificação com o grupo de amigos e adoção de ídolos ou modelos afim de irem criando sua identidade pessoal.
Para se diferenciar de seus pais, muitos adolescentes acabam se afastando demais do seu núcleo familiar já que passam a recriminar e negar muita coisa que vem deles. Os amigos ganham força e se apoiam entre si. E é no grupo de amigos que o adolescente passa a se identificar, adotando por vezes características deste grupo que ainda não combinam com seu perfil, mas poderão ser deixadas de lado mais tarde, com a conclusão deste processo.
Neste momento em que o adolescente, tentando se diferenciar de seus pais, se mistura e se torna parte do seu grupo, a dor do amigo passa a ser dele também. Momento em que os grupos ganham força, unidos por seus gostos, afinidades e ideais e onde um sente junto com o outro. A causa de um, se torna a causa de todos. A dor, as alegrias, as “certezas” infundadas e os medos também.
Na adolescência, a dependência financeira é percebida pelos jovens como a limitadora da tão almejada autonomia. Mas o que eles não percebem é que a dependência deles nesta fase da vida não é somente a financeira como eles imaginam!! Permanecem dependendo de afeto e cuidado de sua família muito mais do que muitos imaginam. E a conquista da autonomia e independência tão sonhadas, está recheada de medos e inseguranças e, por isso, deve ser conquistada gradativamente, com suporte e supervisão até que eles tenham competência e capacidade de dar conta desta grande e dura responsabilidade do universo adulto.
Por estas e outras razões, percebemos muitos adolescentes apresentando uma angústia excessivamente contida que pode ser drenada se dirigida para algo fora dele através de uma conversa, um esporte, hobby, terapia ou atividade de seu interesse. Mas pode ser perigosamente dirigida para os circundantes ou para ele mesmo, através de comportamentos auto-destrutivos como auto mutilações, vícios ou extremo isolamento social acarretando, em alguns casos, em distúrbios psicológicos como depressão ou transtornos de ansiedade por exemplo.
Dificuldade dos pais nesta fase:
Os pais dos adolescentes também podem se encontrar muito perdidos e vacilantes no que tange as necessidades e cuidados demandados pelos adolescentes atualmente. Com a era virtual e a modificação da estrutura familiar da época antiga para os dias de hoje, vemos pais sem saber qual o limite de seu filho que deve ser respeitado e até onde eles devem acessar, participar e exigir.
Vemos nos consultórios, a dificuldade dos pais em saber se devem respeitar “a privacidade” de seu filho e abrir mão de saber e acompanhar o conteúdo acessado por eles na internet, as companhias que eles têm na escola ou nas saídas de lazer, os papos que mantém nas mídias sociais e etc. Outros, questionam se o filho pode exigir que não entrem em seu quarto, que não os cobrem sobre a sujeira e bagunça que eles mantém em seus quartos e/ou em diversos locais da casa e etc.
E, muitas vezes, na tentativa de preservar a privacidade que julgam que o jovem deve ter ou na tentativa de fazer diferente do que viveram em sua juventude, alguns pais acabam se perdendo neste momento de seus filhos. Deixando que um espaço vazio de isolamento, estranheza e desamparo se crie entre eles com o apelo de “Respeito a privacidade do filho”.
E com estes equívocos sobre o que seria mais adequado e eficaz no que tange a educação dos filhos, surge mais uma preocupação a ser evitada pelos pais que é a falta de limites. Vemos filhos que não cumprem com seus deveres de estudante e filho, não respeitando os pais e exigindo direitos que não deveriam receber – dinheiro e permissão para sair, caronas para as baladas, roupas novas. Melhorias em seus quartos; tudo isso exigido sem que eles, ao menos, frequentem as aulas e obtenham o aproveitamento escolar mínimo exigido na escola.
A falta de limites para estes jovens acaba tendo uma consequência danosa e desastrosa. Os jovens além de não sentirem-se privilegiados e super amados por estes pais que dão o que não deviam, ainda sentem-se carentes e abandonados pelos pais. Pais que não se poupam em dar os recursos financeiros que julgam fundamentais para a satisfação e felicidade dos filhos mas parecem não se importar se eles estão se destruindo ou sabotando nos estudos, com amizades e condutas destrutivas como consumo de drogas ou bebidas por exemplo. Pais que não punem os filhos ou priva do que os destrói, numa tentativa de serem amados ou evitarem as reações fortes dos filhos sempre que não são atendidos em seus caprichos e vontades.
E os jovens passam, numa atitude rebelde e raivosa a se destruírem cada vez mais numa tentativa de chamar atenção ou punir o descaso de seus pais. Mas neste jogo, os maiores punidos continuam sendo eles mesmos.
A escolha, mesmo que inconsciente, por esta rotina de vida, já acaba sendo uma espécie de suicídio indireto já que estes jovens passam a não se cuidar e a se colocarem em situações de risco numa tentativa de acabar ou pelo menos anestesiar, esquecendo por alguns momentos que seja a sua dor.
O suicídio:
O suicídio (do latim suicaedere – a morte do próprio) resulta de uma complexa interação entre fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociológicos, culturais e ambientais.
Estima-se que 90% dos sujeitos que cometeram suicídio tinham alguma forma de psicopatologia, sendo que cerca de 60% estariam deprimidos quando se suicidaram.
Os comportamentos suicidas são sempre um meio de comunicação com o meio e muitas vezes, numa lógica de “último recurso percebido”, demonstram aos demais a presença de um enorme sofrimento e desespero interior daquele jovem.
A prevenção do suicídio é muitas vezes possível, sobretudo se tivermos um olhar atento sobre a sucessão tipificada de momentos que o precedem. São eles: a ideação suicida (as idéias de suicídio que passam pela cabeça através de pensamentos ou cenas que lhes sugere isso, podendo ser verbalizadas ou não), comportamentos de risco (vícios, esportes radicais ou atividades que apresentem risco de vida) e as tentativas de suicídio.
De fato, sabe-se hoje que as tentativas de suicídio são os mais importantes preditores do suicídio consumado, o que nos obriga, enquanto técnicos de saúde mental, pais e outros agentes sociais a uma reflexão sobre o seu significado.
O crescente índice de suicídios em jovens e adolescentes hoje:
Hoje acompanhamos as notícias, cada vez mais frequentes de suicídio de jovens em toda a parte do mundo. Amigos, familiares e conhecidos são surpreendidos com a notícia e levam um bom tempo tentando compreender os motivos que os levaram a tomar uma atitude extrema e irremediável como esta.
Segundo matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo em Abril deste ano, sabemos que nos últimos cinco anos, a incidência entre jovens de 12 a 25 anos teve um salto de quase 40%. Nas outras faixas etárias, o índice caiu. No Brasil, o suicídio é a quarta maior causa de morte entre homens e mulheres de 15 a 29 anos. Tristeza, isolamento e irritabilidade podem ser sinais para que os pais percebam se há algo errado. Os jovens são mais suscetíveis tanto por aspectos biológicos quanto pelos novos desafios impostos nessa fase da vida.
Resta-nos buscar algumas informações afim de alertar jovens e familiares acerca do que torna este momento delicado na vida de nossos jovens algo tão insuportável e degradante.
Dentre os inúmeros fatores motivadores do suicídio de jovens a que temos conhecimento hoje, convém apontar alguns:
- Dificuldade de lidar com as mudanças (corporais, emocionais, de seu papel social, demanda do mundo, etc).
Aqui, podemos incluir todas as pressões geradas pelas mudanças que ocorrem no corpo e na vida da criança ao chegar na adolescência. Além da enxurrada de emoções fortes, oscilantes e antagônicas durante dia e noite com que eles têm que se adaptar, tem a mudança corporal que traz para alguns deles sentimentos confusos e situações constrangedoras.
A tentativa de se enquadrar num novo papel perante sua família e sociedade e satisfazer as demandas internas e do mundo acarreta também uma forte pressão sobre o adolescente que tem necessidades emocionais de afeto e proteção mas age muitas vezes numa postura que julga ser adulta mas os distancia, deixando-os vulneráveis e estressados.
A Pressão pela escolha de carreira e bom desempenho escolar afim de conseguirem aprovação no vestibular é outro ponto massacrante para muitos jovens. Até então, eles eram tratados como crianças que recebiam tudo praticamente pronto de seus pais, inclusive segurança, afeto e proteção. E de repente, passam a ter que dar algo em troca, espera-se deles responsabilidade, administração do seu tempo de estudo e entrega das tarefas requisitadas a eles, um maior envolvimento nos problemas familiares e etc sem que eles tenham sido preparados e acompanhados para isto.
Com tudo isso a pressão e o medo do fracasso e das escolhas erradas passa a atormentar jovens secretamente e por vezes de forma inconsciente, onde o mal estar é sentido e eles nem sabem, devido a tantas mudanças, o motivo.
- Isolamento e solidão – falta de contenção, suporte e acolhimento familiar e por vezes social. Isso tudo reforçado por uma postura crítica e evitativa da família que deveria ser tida nesta fase como esteio, suporte ou exemplo.
Com a separação de sua família na busca de sua identidade pessoal, o jovem se insere em grupos ou adota novos modelos e ídolos e acaba criando uma abismo entre ele e seus familiares. E isso torna esta fase mais difícil ainda de ser atravessada.
Pela falta de maturidade e postura vitimizada que normalmente adotam nesta fase, os jovens se reúnem em bandos e tendem a desqualificar suas famílias e tudo que vêm delas num momento onde mais precisam de suporte, orientação e afeto.
Os pais na tentativa de acertarem e sem saber o caminho correto e adequado, também acabam deixando que este isolamento ocorra e colocam na conta da adolescência as dificuldades que vão surgindo na relação e no comportamento mais introvertido, reativo ou mudo do filho. Muitos pais sofrem e se afastam pela incapacidade de lidar com a dor e revolta de seu filho nesta fase. E ao invés de se aproximarem para ajudar e sanar, se afastam e se “distraem” elegendo as preocupações práticas do dia a dia que eles , pelo menos, ainda sabem como lidar.
- Problemas familiares e/ou interpessoais; (baixa estima, bullying):
Com este afastamento do seu núcleo familiar, percebemos o jovem enfrentando com bastante frequência problemas com relação a sua auto imagem.
Diante de todas aquelas mudanças corporais e com a necessidade de ser incluído no grupo e receber aprovação dos meios e dos pares, notamos os jovens sofrendo por uma insatisfação consigo mesmo, normalmente envolvendo uma supervalorização dos atributos físicos e a ausência de consciência acerca de seus valores pessoais e pontos fortes.
Vemos jovens ignorantes acerca do que seria, de fato, um valor positivo pessoal. Atributos físicos são usados como forma de medida nesta escala de valor enquanto que caráter, honestidade, generosidade ou amizade não são notados ou considerados por eles.
E com isso vemos jovens sofrendo por uma crença na sua falsa incompetência relacional, baseada nesta necessidade de possuir os atributos físicos para que consiga pertencer ao grupo dos populares mesmo que este grupo não combine consigo no que diz respeito a valores, gostos ou formas de pensar e agir no mundo.
E nesta tentativa árdua de fazer parte e receber valor do grupo ao qual ele pertence, vemos jovens sofrendo com o bullying da dor causada pela exclusão e rejeição de colegas e pares. Os populares, dotados dos atributos físicos requisiados aliados a capacidade de liderar e se impor no grupo, se empoderam e passam a submeter, rejeitar e humilhar os que não se enquadram no perfil exigido para fazer parte daquele bando.
E os excluídos se isolam mais ainda do mundo, e introjetam indevidamente a leitura cruel e estigmatizada que fizeram dele como um rótulo que os define e descreve.
- Dificuldade de lidar com frustrações e sentimento de raiva e insatisfação (término de relacionamento, perdas de pessoas queridas (luto), perda de emprego ou algo que julguem importante):
Esta dificuldade encontrada com frequência nos jovens da atualidade, se deve ao fato dos pais tentarem arduamente desde a infância suprir todas as necessidades e demandas de seus filhos. Na tentativa de serem os melhores pais e não deixar faltar aos filhos o que faltou a eles, vemos pais suprindo as necessidades antes mesmo que seus filhos criem a demanda. Vemos pais, se esforçando em atender desejos e caprichos de seus filhos mesmo quando eles não estão merecendo. E vemos as crianças sendo muito pouco frustradas, recebendo o tão importante NÃO raramente e com isso não aprendem a lidar com a frustração de uma negativa.
Tudo isso, feito com tanto esforço e com a melhor das intenções, acarreta num jovem que não aprende a lidar com as frustrações tão comuns e inevitáveis na vida adulta. Jovens que não sabem lidar com a raiva de forma saudável, para que consigam expressá-la de maneira adequada e dar vazão a ela.
E diante das negativas da vida, um objetivo não alcançado ou o término de um relacionamento, vemos os jovens sofrendo de ira por não terem conseguido ou de tristeza e sensação de que não há saída. E tudo isso, os leva a um desânimo e desistência da vida provocados pela crença equivocada de que não conseguirão reverter o quadro.
- Presença de psicopatologia (depressão e demais transtornos da personalidade, dependência do álcool/drogas etc), doença física (como perturbações neurológicas, cancro e infecção pelo VIH por exemplo) ou dor crônica;
Outra causa frequente dos casos de suicídios atualmente é a presença de distúrbios psicológicos que muitas vezes nem são reconhecidos pelas famílias. Com diversos rótulos usados pelo senso comum como: ranzinza, estourado, mimado, mal-humorado, grosso, birrento, bicho do mato, tímido, desanimado, preguiçoso etc vemos casos de psicopatologia sendo ignorantemente desqualificados e ganhando uma roupagem popular quando precisariam ser acompanhados, de perto, por profissionais qualificados.
A depressão, é uma das psicopatologias mais frequentes dentre os jovens propensos ao suicídio e normalmente está associada pela maior parte da população a quadros de tristeza, prostração e falta de sentido na vida. Mas o que muitos não sabem é que a rebeldia, irritação e comportamentos de enfrentamento e auto-destruição também são indicativos de casos de depressão.
Além do componente genético da depressão, notamos que diante de grandes e/ou duradouras frustrações sofridas na vida, indivíduos tendem a desenvolver este tipo de quadro demonstrando ao invés, ou associado a comum tristeza, grande carga de contrariedade, raiva e insatisfação.
Cargas estas, dirigidas ao mundo ou a si mesmo. Na impossibilidade de alcançar ou obter o que desejam, os deprimidos podem assumir uma postura bélica - de embate e começam uma queda de braço com a vida onde o maior perdedor é ele mesmo. Perde uma vez que este se nega a ter prazer de alguma outra forma que não seja a que viria de seu objeto de desejo inalcançado.
Outro componente presente nesta fase turbulenta da vida é o uso de substâncias psicotrópicas que entram como uma maneira de lidar com as dificuldades enfrentadas na adolescência. Seja uma tentativa para aplacar a timidez, seja para esquecer as causas de contrariedade e frustração ou para tentar ter um momento de alegria e descontração, este tipo de saída acaba deixando suas presas ainda mais culpadas, estigmatizadas e insatisfeitas. E além de não representarem uma solução, algumas vezes ainda complicam mais o quadro de dor do jovem.